quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Aquele Atropelado (um texto de algum tempo atras)


   Carro passa muito rápido, rápido demais e deixa um sofrido rastro de sangue. Atropela, tatua no meio fio o corpo de um cachorro que ainda vivo, almejava logo aquele fim tão demorado. O motorista, nem ligando para o solavanco que o carro dera, acelerou mais a medida da musica que no volume máximo estourava no interior do veiculo.
   Não se ouviu latido, nem grunhido, nem gemido, som nenhum se ouviu daquele pobre vivente recém-sentenciado a morte. Como se já soubesse do seu destino, não exalou nenhum som daquela pobre garganta, aquele vigor de cachorro vadio estava obsoleto agora. Parecia certamente que aquela alma já sabia o que ia acontecer com ela própria. Não se deu a oportunidade de desviar de se acomodar ou ao menos tentar juntar a outra metade do seu corpo.
   Eu era criança, não sabia da divisão entre a vida e a morte. A partir daquele momento fui reconhecendo que poderia existir dor. Eu havia me aproximado, conseguia distinguir o que sempre havia nos livros de biologia da minha irmã, mas não sentia orgulho pela minha perspicácia, e sim temeroso, ansioso, triste, doía sentimentalmente, culpava-me por não ter brincado com aquele cachorro de rua, um “vira-lata” vagabundo. Aquele cão era livre, era às vezes enxotado, maltratado. Era livre, mas a liberdade dele era ruim, sem proposito algum, talvez apenas este: acabar, morrer.
   Estava no meio de bastante gente, criança curiosa, me traumatizando pelo sofrimento que parecia pular daqueles olhos do cachorro que ansiavam pena, dor, necessidade de compaixão, um desejo que acabe logo tudo aquilo. Os olhos pareciam adivinhar o meu desespero, estava pálido, gelado, estático. Pareceria loucura, mas os olhos do cachorro, além de mostrar toda a dor, me consolavam, me abduzia a aprender mais, por incrível que pareça da vida, daquele momento que me faz até hoje ficar nostálgico, e triste (por que não?!). E um fato bem importante é que se vendo rodeado por curiosos, muitos olhos curiosos, estritou-se em apenas me olhar, com aquele singelo e maltratado semblante com todos este significados, talvez por ter como ultima missão, não roubar um pedaço de carne, nem tirar o sono da vizinhança, mas me ensinar da fortaleza humana, da necessidade de consolo, da fragilidade do corpo da compaixão, do destino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário