Carro
passa muito rápido, rápido demais e deixa um sofrido rastro de sangue.
Atropela, tatua no meio fio o corpo de um cachorro que ainda vivo, almejava
logo aquele fim tão demorado. O motorista, nem ligando para o solavanco que o carro
dera, acelerou mais a medida da musica que no volume máximo estourava no
interior do veiculo.
Não
se ouviu latido, nem grunhido, nem gemido, som nenhum se ouviu daquele pobre
vivente recém-sentenciado a morte. Como se já soubesse do seu destino, não exalou
nenhum som daquela pobre garganta, aquele vigor de cachorro vadio estava
obsoleto agora. Parecia certamente que aquela alma já sabia o que ia acontecer
com ela própria. Não se deu a oportunidade de desviar de se acomodar ou ao
menos tentar juntar a outra metade do seu corpo.
Eu
era criança, não sabia da divisão entre a vida e a morte. A partir daquele
momento fui reconhecendo que poderia existir dor. Eu havia me aproximado,
conseguia distinguir o que sempre havia nos livros de biologia da minha irmã,
mas não sentia orgulho pela minha perspicácia, e sim temeroso, ansioso, triste,
doía sentimentalmente, culpava-me por não ter brincado com aquele cachorro de
rua, um “vira-lata” vagabundo. Aquele cão era livre, era às vezes enxotado,
maltratado. Era livre, mas a liberdade dele era ruim, sem proposito algum,
talvez apenas este: acabar, morrer.
Estava
no meio de bastante gente, criança curiosa, me traumatizando pelo sofrimento
que parecia pular daqueles olhos do cachorro que ansiavam pena, dor,
necessidade de compaixão, um desejo que acabe logo tudo aquilo. Os olhos
pareciam adivinhar o meu desespero, estava pálido, gelado, estático. Pareceria
loucura, mas os olhos do cachorro, além de mostrar toda a dor, me consolavam,
me abduzia a aprender mais, por incrível que pareça da vida, daquele momento
que me faz até hoje ficar nostálgico, e triste (por que não?!). E um fato bem
importante é que se vendo rodeado por curiosos, muitos olhos curiosos, estritou-se
em apenas me olhar, com aquele singelo e maltratado semblante com todos este
significados, talvez por ter como ultima missão, não roubar um pedaço de carne,
nem tirar o sono da vizinhança, mas me ensinar da fortaleza humana, da
necessidade de consolo, da fragilidade do corpo da compaixão, do destino.
Nenhum comentário:
Postar um comentário